APEPI ENTREVISTA | Luiz Octávio Martins Mendonça, OAB-RJ 

Com as notícias recentes sobre decisão do TRF2 que revogou a liminar permissiva para o cultivo da Cannabis, produção e dispensação de medicamentos à base de Cannabis da APEPI, nossa comunidade apepiana – formada por pacientes, familiares, médicos, alunos, colaboradores e ativistas da causa canábica -, entrou em estado de atenção e insegurança.  Poucos dias depois, o Ministério da Saúde tomou a responsabilidade sobre regulamentar a pauta para si e, mais do que reconhecer, reivindicou seu papel nesse processo. 

Nesta 8ª edição da APEPI Entrevista, conversamos com Luiz Octávio Martins Mendonça, advogado sanitarista, especialista em Direito à Saúde e da Família, Mestre em Saúde Coletiva pela UERJ e Coordenador do GT de Direito à Saúde da OAB/RJ sobre o papel da sociedade civil em discussões como essa.

Confira!  

APEPI: Diante da recente decisão do TRF2 que impactou as atividades da APEPI, como você avalia o atual cenário legal relacionado a todo o processo que envolve os medicamentos à base de Cannabis no Brasil?

LUIZ OCTÁVIO: O artigo 2º, da Lei nº 11.343/2006, que regulamenta a política de drogas em nível nacional, é referenciado para proibir o cultivo de maconha para fins medicinais, mas o próprio parágrafo único do referido artigo excepcionaliza esta proibição para a cultura e colheita de plantas para fins exclusivamente medicinais ou científicos. Todavia, não há regulamentação sobre esta excepcionalidade, o que vem causando este estado de omissão. Existem Projetos de Lei em tramitação no Congresso, mas o conservadorismo e fundamentalismo religioso vêm embaraçando os debates e retardando a aprovação da lei em prol da vida e da ciência.

Por outro lado, a ANVISA já concedeu a autorização sanitária para o uso do CBD e regulamentou a importação do produto derivado de Cannabis para uso terapêutico no Brasil, não sendo aceitável permitir a importação e não autorizar o plantio, a colheita, a produção e comercialização nacional de medicamentos à base de canabinoides, incluindo as associações como a APEPI. Restringir o acesso aos derivados da Cannabis pela via da importação gera iniquidades no tratamento de várias doenças e viola a garantia fundamental do direito à saúde universal, igualitário e integral.

Recentemente, alguns estados aprovaram leis instituindo a política estadual de Cannabis para fins terapêuticos, medicinais, veterinários e científicos e regulamentaram o acesso aos medicamentos à base de Cannabis pelo SUS. Neste ponto, o pacto federativo os ajudou, mas entendo que o Congresso Nacional deve pacificar a autorização do cultivo da maconha para fins medicinais e científicos em nível nacional.

APEPI: Qual é a relevância do papel da sociedade civil, representada pela comunidade apepiana, em influenciar e participar das discussões jurídicas relacionadas ao acesso a tratamentos à base de Cannabis?

LUIZ OCTÁVIO: A participação da comunidade é uma diretriz do sistema nacional de saúde, prevista na Constituição Cidadã de 1988. Além disso, sempre bom lembrar que a conquista do SUS é fruto da vitória de uma mobilização social, que defendeu uma saúde universal, integral e equânime. A comunidade apepiana vem travando uma verdadeira batalha judicial para viabilizar o tratamento de mais de 8.000 pacientes, que dependem dos medicamentos à base de Cannabis para a cura e/ou tratamento de sintomas. Além do engajamento, defender a Cannabis medicinal é uma questão de saúde pública e coletiva e o trabalho da APEPI nesta linha de frente merece destaque e todo o meu reconhecimento.

APEPI: Como você enxerga a colaboração entre organizações como a APEPI e a OAB no avanço das discussões e na busca por soluções mais favoráveis para os pacientes?

LUIZ OCTÁVIO: A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ, onde sou Coordenador de Saúde e Populações Vulneráveis, assim que tomou conhecimento da decisão contrária à associação, fez contato com a APEPI, pois a medida judicial afronta o direito humano à saúde e vai prejudicar o plano terapêutico de milhares de pacientes. A parceria entre as instituições tem o condão de fortalecer o debate do direito canábico no Brasil e se somar ao coro pela regulamentação do cultivo e produção de Cannabis para fins medicinais, veterinários e científicos, pois se compararmos a países da própria América Latina, estamos bastante atrasados. A articulação política da sociedade civil organizada sempre foi motor das lutas sociais e não será diferente para a questão canábica, considerando que temos um Legislativo conservador e um Judiciário limitado pelo princípio da separação dos Poderes.

APEPI: Quais estratégias legais a comunidade apepiana pode adotar para fortalecer sua posição, ampliar sua influência e buscar garantir o acesso contínuo aos tratamentos à base de Cannabis, considerando o atual contexto jurídico?

LUIZ OCTÁVIO: Continuar a judicialização! Infelizmente, devido à ausência de regulamentação para autorizar o cultivo, a colheita e a produção nacional de medicamentos à base de Cannabis no Brasil, muitos pacientes recorrem ao Judiciário para forçar o Estado ou os planos de saúde a fornecerem o CBD, devido ao alto custo dos importados. Eu mesmo advogo para vários pacientes com TEA que pleiteiam na justiça o acesso aos óleos pela via da importação. Individualmente, estamos conseguindo decisões favoráveis neste sentido. Em paralelo, os associados poderão se valer de salvo conduto por meio do Habeas Corpus para cultivo familiar e produção artesanal, até que o Judiciário resolva definitivamente o caso da APEPI. No cenário coletivo, acredito muito que a APEPI possa apresentar requerimento no Ministério da Saúde, que, recentemente, reconheceu a sua responsabilidade pela regulamentação e pressionar ainda mais a ANVISA para que regulamente o uso medicinal da Cannabis para além da importação.

APEPI: Em sua visão, como as decisões judiciais podem impactar não apenas a APEPI, mas também o cenário mais amplo do uso medicinal da Cannabis no Brasil, e quais podem ser os desdobramentos esperados para a comunidade apepiana?

LUIZ OCTÁVIO: A judicialização da saúde é um câncer para a gestão pública e escancara a desigualdade de acesso à justiça e aos medicamentos à base de Cannabis no Brasil. Não são todos os pacientes que possuem recursos financeiros para financiar estes processos no Judiciário e para custear as importações. Sou defensor da autorização do cultivo, plantio, produção e comercialização nacional dos medicamentos à base de Cannabis como medida de fortalecimento da nossa indústria, e, sobretudo, dos produtores familiares e associados, como a APEPI. Investir neste mercado gerará empregos, renda e tributação, potencializando o Complexo Econômico Industrial da Saúde no país e, acima de tudo, democratizando e universalizando o acesso medicinal à Cannabis.